Educamos os nossos filhos em um pífio e falso modelo de educação fundamental, onde pouco de útil aprendem nossos filhos, a não ser o adestramento para os concorridos vestibulares de medicina e direito, onde eles são obrigados a decorar coisas como “questão usp”, “questão puc” e outras extravagâncias que surjam.


Este que vos escreve, além de cinquentenário, sofre de algo chamado fotofobia. Fotofobia significa a sensibilidade excessiva à claridade e a luz solar.

Isto me levou ao uso habitual de bonés, e me fez um aficcionado dos mesmos: gosto de bonés, coleciono bonés, uso frequentemente bonés.

Por isso, me causa espanto ler nos periódicos nacionais que o Diário Oficial do município do Rio de Janeiro, de 15 de abril de 2010, baixou a resolução nº 1.074, a qual contém normas e punições para os alunos das escolas públicas municipais, proibindo o uso de boné ou chapéu similar em qualquer dependência das escolas da cidade.

O cronista Sergio Porto, vulgo Stanislaw Ponte Preta, deve estar se revirando na tumba. Ele que cunhou a expressão FEBEAPÁ — Festival de Besteiras que Assolam o País.

Pasmem! O boné e o chapéu foram proscritos das escolas públicas cariocas — a cidade-balneário do Brasil. Bem, o chapéu já havia sido proscritos pelos próprios usuários, por démodé... Mas... o boné? Por que o boné?

A polêmica está instaurada nas portas das escolas — lá dentro deixou de existir: a proibição é lei! Dura lex sed lex — a lei é dura, mas é a lei.

Argumentos pró e contra o prosaico adereço de meninos e homens provectos são enumerados. Diz um zeloso diretor de escola: “o uso do boné prejudica a visibilidade do docente” — e completa: “o professor está sempre atento. Mas o aluno pode até cochilar com o boné, e o professor não consegue ver”. Pedagogia suspeita esta aí... o remédio para o professor chato é... proibir o boné — antídoto do estudante.

Já uma atenciosa dona de casa, mãe de menino de 13 anos guiado pela coleira eletrônica chamada celular, apóia a medida: “boné é coisa de desleixado”, diz. Mas protesta quando a resolução também proíbe os celulares. Para ela, interromper uma aula com um mal educado chamado telefônico pode... O boné, porém, é o inimigo a ser vencido. Já um outro pai, concorda com a restrição aos celulares, mas não com o veto ao boné. Alguma sanidade existe entre os envolvidos.

"Uso o boné desde os seis anos de idade. É bom para proteger do sol, e também eu gosto de hip-hop", afirma um aluno da sexta série, 12 anos de idade, que usa o boné virado para trás e escuta música com um fone conectado ao celular. Duplo delito para as carioquíssimas normas.

A inimiga do ensino público travestida de secretária de Educação do Rio, Cláudia Costin, alega que a medida foi necessária para dar mais autoridade aos professores. “A partir do regimento, o aluno não poderá contestar a falta de uma lei interna para a proibição do boné. É uma convenção social a retirada de qualquer chapéu em ambiente fechado, mas expandimos para a escola toda porque não faz parte do uniforme”. A ideóloga secretária do atentado ao bom senso não deve ter filhos e certamente não anda pelas ensolaradas calçadas e praias cariocas.

Vozes sensatas existem, sim: a professora de psicologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Lulli Milman, que pesquisa o comportamento de adolescentes, acredita que o regimento é arbitrário. “Não se pode proibir o uso de boné ou similares em toda a dependência da escola, pois isso implica o cerceamento da liberdade individual”.

Em São Paulo, onde a polêmica chegou, há luz no fim do túnel: nos colégios Augusto Laranja, assim como no Bandeirantes e no Objetivo, o uso do boné é liberado. “Não proibimos de jeito nenhum. É uma opção pessoal. O boné é um complemento, um acessório que não atrapalha o trabalho”, afirma Arlete Laranja, dona do colégio de frutífero nome.

O rapper Túlio Dek, dono de uma coleção de mais de 300 bonés, acha que a proibição do uso do acessório nas salas de aula é “ridícula” e — rebelde — diz que não a respeitaria: “O boné é uma expressão da personalidade”. Como se trata de um artigo sobre educação e escola, o autor destas mal tecladas linhas dá nota dez à consciência cidadã do dito músico.

E assim caminha a humanidade... educamos os nossos filhos em um pífio e falso modelo de educação fundamental, onde pouco de útil aprendem nossos filhos, a não ser o adestramento para os concorridos vestibulares de medicina e direito, onde eles são obrigados a decorar coisas como “questão usp”, “questão puc” e outras extravagâncias que surjam.

Quando membro das classes médias, o menino e a menina brasileiro passa a maior parte das suas vidas nos ambientes assépticos das escolas particulares, entre iguais de tez branca e alto poder de consumo, em ambientes propícios à disseminação de valores racistas e segregacionistas, onde se prestigia o status social do individuo, baseado em critérios de renda e posição social.

Valores humanos? Valores éticos e morais? Estes jovens não conhecem a diversidade social e étnica das ruas nem das escolas públicas e repetem em coro o que é disseminado pelos programas sensacionalistas da televisão: ladrão e estuprador devem morrer... adotem logo a maioridade penal para crianças e a pena de morte. Nestes ambientes, a pobreza passa a ser vista como estigma e associada a banditismo, narcotráfico, violência...

O projeto de “universidade nova” do reitor da Ufba, que seria o início da redenção do ensino brasileiro continua só no papel. Enquanto isso, gestores pseudo-educacionais perseguem o prosaico e utilitário boné. Só nos resta bradar:

Abaixo a escola e Viva o boné!


Fonte: FSP, 16 abr 2010. Jornal Feira Hoje

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